segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

EU PAGO, TU PAGAS, ELES NÃO PAGAM


Por Joannes Lemos

O Brasil certamente é o país do paradoxo. Diferenças de todo tipo você encontra aqui mesmo, na república das bananas. Diferenças econômicas, políticas, raciais, ideológicas e outras mais estão inseridas em nosso cotidiano, mesmo porque estamos em um país de dimensões continentais. Tais diferenças devem ser tratadas com cuidado para que todos convivam em um ambiente de respeito mútuo.
Mas certas diferenças não podemos aceitar, e muitos menos compreender. Enquanto muitas famílias fazem malabarismos para passar um mês apertado com pouco mais de R$ 100 do programa Bolsa-Família, funcionários do alto e baixo escalão do governo federal fazem a festa usando e abusando dos cartões corporativos que o governo distribui entre alguns de seus funcionários. E mais uma vez nós contribuintes vamos bancar essa exorbitância.
Ao mesmo tempo em que muitas famílias espalhadas pelos mais inóspitos rincões do Brasil se preocupam em encher a sacola com arroz e feijão – e para muitos, graças ao programa de distribuição de renda do governo – funcionários da administração federal parecem, mais preocupados ainda, em usufruir das benesses do maravilhoso cartão Ourocard Corporate Gold Visa. E na lista de mimos não existe feijão nem arroz. Que tal gastar R$ 99,44 na padaria Belini, uma das mais sofisticadas de Brasília? Achou pouco? Então que tal comprar R$ 3.762,40 em carnes numa butique de carnes de Brasília, compra esta feita pela Secretaria de Administração da Presidência. Preste atenção porque a compra foi feita em uma butique de carnes, não em um açougue qualquer. Está tudo no Portal da Transparência (
www.portaltransparencia.gov.br).
Já o ministro do Esporte, Orlando Silva, usou o cartão para pagar diárias de hotel no Rio de Janeiro num fim de semana, não apenas para ele, mas para toda a família, incluindo a babá, num total de R$ 2.791. Ele não estaria fazendo nada de errado se o cartão estivesse pagando diárias de hotel apenas para ele em viagens de trabalho. Assim foram sendo criados os abusos com o cartão corporativo do governo federal, uma ferramenta existente em muitos países para facilitar a fiscalização, mas que vêm dando mais dor de cabeça à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU), encarregados de investigar os maus gastos. O sistema é mais fácil de controlar do que as notas fiscais usadas para comprovar despesas, já que as notas fiscais são fáceis de falsificar, ao contrário das faturas do cartão de crédito. O problema é que a fatura do cartão não designa o produto consumido, apenas o local da compra. Mas isso não representa um grande obstáculo para descobrir os abusos. Foi assim que caiu Matilde Ribeiro, ex-ministra da Igualdade Racial, de um dos 200 ministérios do governo Lula. Ela gastou R$ 416,16 em uma loja de produtos importados em um aeroporto. Disse que fez confusão e pagou com o cartão errado. Mas a mesma ex-ministra gastou R$ 121.900 em uma locadora de automóveis. Dúvida? Está tudo no Portal da Transparência. É um pouco trabalhoso procurar, mas vale a pena.
Assim, só em 2007, foram gastos R$ 78 milhões com o uso do cartão pelos funcionários do governo federal. É muito, mas está abaixo dos R$ 108,3 milhões gastos pelo governo de São Paulo com seu cartão versão estadual. Ainda por cima, o estado paulista não divulga os gastos na internet como o governo federal. Uma prática desleal num período em que o corte de gastos públicos e o enxugamento da máquina administrativa está em pauta. Não podemos e nem temos o direito de alçar o cartão corporativo como o vilão da história. A culpa está na falta de honradez de quem faz uso desse benefício – e que benefício – do governo federal. Vamos esperar para ver se uma outra desgastada CPI, dessa vez dos cartões corporativos, trará algum resultado, efeito raro em se tratando de CPI.
Enquanto isso, nos armarinhos, mercearias e mercadinhos de pontos humildes do Brasil, ou seja, em tudo quanto é lugar, os Josés, Marias e Pedros fazem o que podem para levar para suas respectivas mesas o feijão, arroz, batata, pão, leite...