quinta-feira, 4 de março de 2010

O SEGREDO DO CINEMA ARGENTINO

Por Joannes Lemos


O Oscar, a grande premiação promovida pela Academia de Cinema Norte-Americana, vem em 2010 com boas apostas entre os concorrentes, principalmente na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. No páreo está “O Segredo dos Seus Olhos”, co-produção Argentina/Espanha de 2009 rodada em Buenos Aires. O filme do diretor Juan José Campanella – que também assina o roteiro – traz no elenco atores consagrados do país vizinho, mas desconhecidos aos olhos dos brasileiros. Mas isso, por si só, já é um incentivo para ver a atuação dos hermanos.

O elenco é encabeçado por Ricardo Darín (interpretando Benjamín Espósito) e Soledad Villamil (como Irene Hastings). Ambos trabalham em um tribunal criminal do governo argentino e, Benjamin, após um crime brutal de estupro seguido de assassinato, passa a correr contra o tempo para provar quem é o assassino de uma jovem mulher. Depois que consegue, luta para que o culpado seja preso e punido, algo que não acontece. Nesse instante nos lembramos do falido sistema penal brasileiro, onde nem todos pagam pelas transgressões cometidas. A película também mostra que, assim como no Brasil, a justiça argentina também é pontuada pela morosidade das ações. Anos mais tarde, Espósito, já aposentado, tenta transformar o caso em um livro.

Tudo em “O Segredo dos Seus Olhos” parece ser convincente. A narrativa é bem amarrada e a montagem do filme, alternando passagens entre duas épocas do mesmo acontecimento (entre os anos 60 e 80) não deixa o espectador se perder. Pelo contrário: tudo fica muito bem explicadinho. Outro detalhe que chama atenção é a reconstituição de época: roupas, acessórios e maquiagem não sobressaem à atuação do elenco. Tudo é mostrado sem exageros. Quando os anos passam e a história pula para a década de 80 também notamos um belo trabalho de envelhecimento dos atores. Irene, de Soledad Villamil, por exemplo, precisou apenas de um novo penteado para aparentar convincentemente uma mulher de quase 50 anos.

Outro ator que merece destaque por sua interpretação é Guillermo Francella, intérprete do atrapalhado Pablo Sandoval, amigo do trabalho e da vida de Benjamín Espósito. Ele é quem consegue arrancar umas boas gargalhadas do público. É claro que o texto ajuda. Destaque para a última cena dele na película, digna de ficar marcada como uma das melhores do longa. Em cena, Francella lembra muito o diretor e ator de cinema americano Woody Allen. Não apenas fisicamente, mas também na gesticulação e maneira de falar.

Já para quem aprecia ângulos de câmera mirabolantes, vale destacar uma cena que acontece em um estádio de futebol da capital portenha. A imagem noturna sobrevoa o campo de futebol – que estava com as arquibancadas lotadas de pessoas que viam dois times argentinos se digladiarem – quando pouco a pouco vai aterrissando em direção aos torcedores que estavam em estado de êxtase, até fechar em um plano detalhe no rosto de Espósito – que estava procurando pelo principal suspeito de cometer o assassinato em torno do qual a história gira.

Com 2h07 de duração, “O Segredo dos Seus Olhos” consegue cativar até o momento final, algo difícil para filmes longos. O desfecho da história e a lição de moral passada pelo diretor e roteirista Juan José é chocante e inesperado. Mas fica uma sensação de alívio por saber que, pelo menos na ficção, tal feito foi possível. Estou falando de justiça, mesmo que não de forma oficial – aquela praticada pelo Estado. Quem quiser entender melhor o que estou dizendo fica a dica para assistir a este incrível filme dos vizinhos argentinos. Merece a estatueta.