segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A REFORMA DO RETROCESSO


Por Joannes Lemos

Esqueça boa parte do que você aprendeu da língua portuguesa durante seus fatigantes anos de estudo. A partir do próximo ano entra em vigor o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, mas ainda não existe data definida para a nova dor de cabeça ser obrigatória em definitivo, afinal, o presidente Lula ainda não sancionou o acordo. O mais provável é que o uso obrigatório da nova mudança esteja valendo a partir de 2012. Esse seria o tempo para as devidas adaptações. Mas cá entre nós: em um país com tantas reformas urgentes, como a reforma tributária, a reforma da Previdência e a reforma trabalhista (ufa, são tantas) fomos penalizados justo com a reforma que não desejávamos.

Outras nações de língua portuguesa também fazem parte do acordo. Além do nosso país, Portugal, Cabo Verde e São Tome e Príncipe também ratificaram. Afinal, o propósito é exatamente esse, o de fazer com que a escrita da língua portuguesa seja comum nos países que a falam. Porém, segundo os lexicólogos (aqueles sujeitos estudiosos de uma língua), o país que mais sofrerá com a mudança será Portugal. No manancial da nossa língua, as mudanças chegarão a 1,6% do vocabulário. Em terras tupiniquins, esse número gira em torno de 0,5% da língua.

Parece pouco, mas é o suficiente para fazer um estrago poderoso. Se você é do tipo aventureiro e gosta de emoções, como por exemplo, pegar um vôo e pular de pára-quedas, saiba que agora você pegará um voo para saltar de paraquedas. Aprecia uma boa lasanha assada no microondas? Então agora você precisará colocá-la no micro-ondas. Se você ainda não foi em uma auto-escola para dar início ao processo da sua carteira de habilitação, então corra. Além de mudanças que vem por aí para tirar sua permissão para dirigir, anunciadas recentemente pelo Detran, agora, caros amigos, vocês precisarão se situar e procurar uma autoescola, assim, tudo junto. Ficou com dor de cabeça? Isso é apenas a ponta do iceberg. Se você ficar doente com tudo isso e precisar de um antiinflamatório, então procure uma farmácia e solicite um anti-inflamatório.

É possível ter uma idéia (oops, a partir do novo acordo será ideia) dos transtornos que isso causará em nosso cotidiano. Profissionais da comunicação, como nós jornalistas, sofreremos e comeremos o pão que o Camões amassou até nos acostumarmos. As editoras precisarão fazer a revisão das novas edições dos livros. Os que estiverem na prateleira a partir da vigência do acordo ficarão obsoletos. Os livros escolares, que são reaproveitados no ano seguinte precisarão ser trocados, a menos que se queira regredir ainda mais na nossa vacilante educação pública. São mudanças desnecessárias. Estudar por anos a fio e de repente ser forçado a reaprender que seu cachorrinho não tem mais pêlo, mas sim pelo, é uma atitude quase fascista. A população foi consultada para saber o que achava da mudança? Não estamos em um regime democrático? Ou estamos na China, um comunismo capitalista onde tudo não é o que parece?

Soa divertido e ao mesmo tempo utópico saber que a pessoa responsável pela canetada da discórdia será um presidente que vive atropelando a norma culta de nossa língua. Pelo visto, Lula nem sabe do que se trata o acordo, já que muita coisa ele não sabe e não vê. Até mesmo estudiosos da nossa língua são contra a mudança. O professor Pasquale Cipro Neto disse que o acordo é “um tiro no pé”, e que isso “não trará efeitos positivos”. Agora, é esperar a validade da decisão e comprar um novo Houaiss, o Aurélio ou o Michaelis. E ter compaixão do nosso word, que ficará burrinho, grifando tudo quanto é palavra que na verdade, pelo novo acordo, estará correta. O que mais me deixa triste nisso tudo é saber que os simpáticos pingüins vão perder o trema (que será banido da nossa língua) e se chamarão pinguim. Ainda bem que a pronuncia não muda. Agora, que venham as conseqüências, ou melhor, consequencias.